Saga completa em duas páginas

Bandas desenhadas Junho 2009

Entrevista com o crítico Guy Amado, especial para o Natureza-Morta Bem Morta

"Prezado Ramalho, antes de tudo felicitações e desde já vida longa ao Natureza Morta!

Aí vão minhas respostas."

1) Fale sobre seus trabalhos mais recentes e relevantes como crítico de arte em São Paulo. (textos publicados, seleções, Rumos, Centro Cultural, grupos, e outras participações)

Mais recentes: a atuação no Rumos Artes Visuais 2008-2009, para o ItaúCultural [como prestador de serviços, não como "funcionário", atenção], onde exerci uma estranha combinação de funções por cerca de 10 meses: coordenador de mesas de debates [em 19 capitais brasileiras], relator das viagens envolvendo esses eventos e uma espécie de pré-editor dos textos a serem confeccionados para o catálogo deste Rumos pelos curadores e seus assistentes. Haverá também um ensaio meu neste mesmo catálogo.

De resto, o usual: textos diversos ["crítica de arte" ou nem tanto] para mostras em galerias e museus, colaborações esporádicas para revistas e sítios eletrônicos, etc. Também tenho participado de algumas mesas-redondas envolvendo arte contemporânea aqui e ali.

E, paralelamente, venho atuando desde 2007 como professor/orientador para grupos de artistas que acompanho juntamente com Juliana Monachesi no EDEN [Espaço de Experimentação N° 343], no que chamamos acompanhamento de processo artístico – um misto de teoria e prática sem exatamente "aulas".
Atualmente estou com uma curadoria em andamento em Florianópolis [a ocorrer em maio], e mais dois projetos curatoriais ainda em processo de aprovação – um deles de grande porte, para o Sesc.

2) Fale como vai o circuito artístico em São Paulo atualmente, em termos de programação de exposições e "produção de crítica de arte".


Bem, como sabes, falar sobre "o circuito artístico em São Paulo" pode ser um tanto quanto relativo...é muito vasto, e comporta vários "sub-segmentos". A última edição da Bienal de SP [a "do vazio"] gerou um bocado de polêmica, como previsto, e pouca discussão séria.

Algumas boas exposições sempre há, claro, de toda espécie. Mas uma particularmente me marcou como há muito não acontecia: a mostra "Cinema Sim", que esteve em cartaz no ItaúCultural de novembro último a janeiro de 2009. Uma mostra excepcional, enfocando as aproximações do cinema com a arte contemporânea [ou vice-versa] com sensibilidade e qualidade raras. Articulava diálogos surpreendentes entre trabalhos díspares [de artistas brasileiros e internacionais de porte], apostando numa acepção ampliada de "cinema", produzindo momentos de verdadeiro encantamento, sem abrir mão de uma instância reflexiva. Tudo que a boa arte deveria ter.

Por outro lado, está em cartaz a mostra Nova Arte Nova, projeto do CCBB para comemorar seu aniversário reunindo mais de 60 artistas brasileiros da "nova geração" [aspas necessárias pela relatividade implícita na expressão] e que é um verdadeiro balaio de gatos, com uma suposta curadoria que não se percebe. E com uma "amostragem carioca" no mínimo questionável no quesito qualidade e quantidade – sobretudo quando se sabe que o curador, Paulo Venâncio [filósofo, crítico e historiador de arte respeitado], é de lá. É um dado relevante na medida em que se trata de uma mostra que diretamente ou não está apresentando, ou "lançando" [porque legitimando sob o mote do "novo"] toda uma produção que será procurada pelo mercado, sempre ávido pelo suposto "novo".

E a montagem [cá em Sampa] é inevitavelmente desastrosa, em grande parte pelo próprio espaço do CCBB.

Da crítica de arte, a cena ainda é marcada pela influência de alguns grandes críticos formalistas ["modernistas"] mais velhos e importantes como o citado Rodrigo e o Alberto Tassinari...e outros "intermediários", como o Agnaldo Farias [este nem tão crítico, mais curador], a Sonia Salsztein [mais "acadêmica"], etc. Mas há também diversos críticos jovens, vários deles de minha convivência pessoal e de formações e valores estéticos bastante díspares – o que não é mal. Mas ainda poucos para a dimensão do meio de arte que temos, a meu ver. Seguimos nos ressentindo bastante – no país - de publicações regulares/periódicos de arte [de crítica] que não sejam os de perfil e circulação estritamente acadêmicos.

3) Quais seriam os seus autores de crítica de arte, brasileiros ou não, que recomenda para leitura, ou tem chamado mais sua atenção.

No Brasil, gosto imenso do Luiz Camillo Osório [do Rio]. Um raro caso de crítico de arte em atividade como tal, além de atuar como curador e professor universitário. Seu livrinho Razões da crítica, apesar do porte modesto, se mostra tristemente essencial em um país em que quase não se encontra escritos sobre a crítica de arte.

O bom e velho Rodrigo Naves é outra figura que considero referencial pela postura ética rigorosa e lucidez, mesmo que [voluntariamente] meio "retirado" do circuito artístico em função do que vê como certo desencanto em relação ao "estado atual da arte contemporânea". Ainda que eu discorde de quase tudo que ele advoga atualmente [em relação ao tal "estado da arte"], segue sendo uma inspiração pela inteligência, coerência e rigor em tomar posicionamentos públicos. E tenho lido também as coisas recentes do Arthur Danto, o Hans Belting...

4) Em 2007 você passou um bom tempo em Lisboa e passou pelo Porto. Qual sua impressão sobre o circuito artístico português?

Olha, tive muito boa impressão do cenário artístico português. Mesmo. Tanto no Porto quanto em Lisboa, surpreendi-me com a quantidade e qualidade de galerias [mesmo que de perfis e portes diversos] em atividade, bem como com a estrutura de espaços institucionais como a Gulbenkian e a Serralves, sempre impressionantes. Sobretudo no Porto, com aquela "concentração de galerias", uma experiência saborosamente inusitada.

Não pude tecer impressões mais precisas acerca de como anda o mercado de arte português, mas a impressão é de que há uma movimentação considerável, bem como artistas, jovens sobretudo, de qualidade – para além daqueles mais conhecidos, como Cabrita-Reis, Molder e Sarmento. O Pedro Croft [embora fique num grupo "intermediário", já tendo ganho algum destaque], é um de que gosto bastante. Tb gostei de coisas do Pedro Portugal, um niilismo sofisticado que me interessou. Bem como um menino que vi no Porto muito bom e que não me recordo o nome, que tem uma pintura bastante refinada, fazendo uma espécie de "pop pós-moderno" que me pareceu de bastante qualidade.

5) Nos mestrados da Faculdade de Belas Artes do Porto existe um aparente e entranho divórcio entre a turma de curadoria e a turma de crítica de arte. A primeira turma tem um perfil mais pé-no-chão (pés-assentes-na-terra), ja a segunda, tem um estilo altivo do tipo "não-somos-carregadores-de-quadros" (mesmo que sejam: alguns deles são gestores de exposições fora da Faculdade). Pergunta: qual a real repercussão da crítica de arte no circuito cultural, visto que são os curadores quem normalmente determinam a programação? Como você vê a relação entre curadoria e crítica?

Achei divertidamente peculiar tua descrição dos tais "grupos", eheheh. Pessoalmente, não vejo nenhuma "questão" real efetiva nessa discussão "crítica X curadoria"... A meu ver, trata-se de funções, ou metiês efetivamente distintos mas não auto-excludentes - absolutamente. Em última análise, penso que um crítico pode ser um bom curador sem problemas, embora o contrário já não seja tão natural. Há somente que saber distinguir tais funções, e trafegar em ambas, se for o caso, observando os necessários cuidados éticos. Eu mesmo atuo quase full-time como crítico [ou "escriba das artes", como às vezes prefiro] mas não me furto a eventualmente me aventurar em algumas curadorias – isso quando acho ou constato que realmente tenho condições de realizar o que considero uma "curadoria", e não simplesmente uma "exposição" – mas essa é outra discussão.

6) Cite exemplos de três tipos de artistas internacionais: os muito bons, os de conceitos nebulosos, e os duvidosos.

Bem, tua pergunta implicita o gosto pessoal, não? E sendo assim, e mesmo tendo minhas ressalvas com essas "categorias" que me impingiste, lá vai:

- "muito bons ": Cildo Meireles, Tony Cragg, Chris Burden, Iran do Espírito Santo, G. Richter, Jenny Holzer, Richard Prince, Olafur Eliasson e vários outros

- "conceitos nebulosos": Thomas Hirschhorn, Matthew Barney

- "duvidosos": aqui caberia uma relação bem mais longa... mas vou me ater só ao Vik Muniz e a alguns fotógrafos-de-fotografias-imensas-e-muito-impressionantemente-ampliadas, if you know what I mean.

7) Se quiser use esta pergunta para colocar algo que queira.

Me interessaria discutir mais a fundo vários outros tópicos, como a noção de curadoria tal como circula hoje [uma distinção entre curadoria e "curadorismos"], o espaço e o estatuto real da crítica de arte hoje, a tendência espetacular/monumental de parte da arte contemporânea... mas não agora.

Abraço e nos falamos,

Guy